Há dois meses de findar sua vigência, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi tema de sessão temática, nesta quarta-feira (24), que discutiu problemas e debateu distorções que precisam ser sanadas para que a terceira edição, que vai perdurar por mais dez anos, determine satisfatoriamente as diretrizes, metas e estratégias para a política educacional no país. O governo federal sinalizou que o projeto de lei do Executivo para o novo plano, que será enviado ao Congresso, já está pronto para ser encaminhado à Casa Civil, contemplando uma versão mais enxuta.
O atual PNE (Lei 13.005, de 2014) vigerá até 25 de junho de 2024. A grande maioria das 20 metas estabelecidas — algumas repetidas da primeira lei (2001-2010) — não foi alcançada. Por isso, os senadores Professora Dorinha Seabra (União-TO), Eliziane Gama (PSD-MA) e Efraim Filho (União-PB) requereram a sessão temática para fomentar o debate para a terceira edição (2024-2034), visto que, entre a aprovação do segundo plano e o fim da vigência do primeiro, houve uma lacuna de aproximadamente quatro anos sem norma.
Ao dividir a presidência da sessão com a senadora Damares Alves (Republicanos-DF), Dorinha disse que, por uma provocação feita ao Senado Federal, percebeu-se a necessidade da construção de um pacto pela educação que seja suprapartidário.
— Que nós possamos conseguir avançar em relação à construção desse pacto pela educação. Esse pacto precisa estar articulado como um pacto assumido pela nação, pelos diferentes representantes — afirmou Dorinha.
A senadora Dorinha é autora de projeto lei que prorroga a vigência do PNE por mais cinco anos (PL 5.665/2023). A matéria, com relatoria do senador Esperidião Amin, aguarda análise da Comissão de Educação (CE).
O senador Izalci Lucas (PL-DF) se disse decepcionado pelo não atingimento das metas e afirmou que alguém tem de responder pelo não cumprimento do plano.
— Temos de buscar uma forma de tornar obrigatoriedade a execução do PNE. (…) O que é essencial na educação, que é a base, fica na responsabilidade de quem não tem recursos. Precisamos fortalecer os municípios para que possam oferecer uma forte estrutura na educação básica — disse o senador.
Novo PNE
Secretário de Articulação Intersetorial e com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (MEC), Mauricio Holanda Maia informou que o projeto de lei do Executivo que abordará o próximo PNE já está pronto para ser encaminhado à Casa Civil, e “a seu devido tempo terá publicidade de forma equânime”.
O novo plano deverá ser mais enxuto e bem organizado, segundo o secretário. Grupo de Trabalho formado para debater o PNE realizou 12 oficinas, quando foram identificados 20 problemas, com 4 metas cada, em média.
— O que virá para cá é um projeto de lei do Executivo que respeita e acata o documento da Conae [Conferência Nacional de Educação], mas que não é o documento da Conae — enfatizou o secretário.
A Conae apresentou em janeiro deste ano um documento referência para a elaboração do próximo PNE. Entre as sugestões, está o investimento de 10% do produto interno bruto (PIB) na educação.
Vice-presidente de Relações Político-Institucionais da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), Cezar Miola tratou da disposição de colocar os 33 tribunais de Conta do Brasil para contribuir com a experiencia que possuem na análise da execução dos planos de educação.
— Como vamos avaliar desempenho se não temos acesso às informações? Sentimos falta de um Sistema Nacional de Educação estruturado — expôs Miola.
O senador Flávio Arns (PSB-PR) é autor do PLP 235/2019, projeto de lei complementar que institui o Sistema Nacional de Educação (SNE). Essa proposição foi aprovada no Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados.
Metas
O próprio Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável por publicar a cada dois anos um relatório de monitoramento das metas, reconheceu em seu documento que o nível de execução do plano é baixo. Veja aqui as 20 metas do PNE e a avaliação do Inep sobre o cumprimento de cada uma.
A inserção do PNE como eixo do desenvolvimento econômico do país, cumprimento das metas orçamentárias para a área, valorização dos professores, redução das desigualdades, atendimento à primeira infância, alfabetização, melhor qualificação e preparo dos estudantes, foram alguns dos pontos mais defendidos pelos debatedores.
Para a presidente-executiva do movimento Todos pela Educação, Priscila Cruz, o Brasil realmente avançou na educação e o PNE foi essencial para isso. Ela afirmou que algumas metas “pegaram”, outras nem tanto.
— Tivemos metas que foram importantes para além das políticas públicas. Precisamos discutir forma e conteúdo. Como a gente discute planos decenais do Brasil, como a sociedade pode ter essa visão real de que o plano é do Brasil? (…) A aprovação do PNE pelas duas Casas é o primeiro passo, mas o trabalho mais difícil vem depois. Como a gente já planta essa semente de engajamento futuro é algo que a gente precisa avançar — expôs Priscila.
O coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), Heleno Manoel Gomes de Araújo Filho, considera que o decênio do segundo PNE foi marcado por uma série de erros.
— Nesse decênio, no percurso de aplicação do Plano, tivemos erros cometidos pelo Estado brasileiro, como cortes no orçamento. Temos até hoje a ausência do Sistema Nacional de Educação que deveria articular o PNE. (…) O resultado desses erros é que os objetivos do PNE não foram alcançados. Nenhuma das diretrizes foi alcançada — disse Filho, ao salientar ainda que o Fórum, por maioria, não aceita a prorrogação do atual plano.
Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Vitor de Angelo destacou que o PNE, ao ser um planejamento de longo prazo, precisa ser ambicioso nas suas metas e sólido na sua abordagem.
— Pensar a educação que queremos para aqui a dez anos, como sendo uma educação de todos, construído por todos e para todos. Precisamos olhar para o PNE anterior e refletir para a sua execução não tão plena. Pensar o plano de educação, mas não como um plano da educação, porque precisa ser um plano do país.
Visto que o PNE também é instrumento fundamental para os planos instituídos em estados e municípios, a assessora de políticas públicas da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Vivian Melcop, afirmou que quando se for discutir a possível prorrogação do atual plano, é preciso considerar o impacto municipal. Ela defedendeu a articulação entre o Inep e IBGE para o melhor aproveitamento dos dados nos municípios.
Desenvolvimento econômico
Membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação Daniel Cara considera um relativo sucesso do atual PNE, não no sentido do cumprimento das metas — visto que 85% das metas não foram cumpridas, 35% das metas não foram avaliadas, 65% encontram-se em retrocesso e 15% foram parcialmente cumpridas — mas pela grande mobilização “em torno de um plano”.
— Temos um plano que tem a atenção da sociedade. (…) O Brasil tem tido uma grande capacidade de mobilização no tema educação mas, ainda assim, o Brasil vive uma realidade em que estamos distantes de cumprir o direito à educação. O problema é que o Brasil não consegue discutir onde está a educação no seu projeto de desenvolvimento econômico. O Brasil precisa ter a coragem de desenvolver um PNE que faça esse diálogo com o plano econômico.
Representante do Movimento pela Base, Ivan Claudio Pereira Siqueira também ratificou a realidade da ausência de um vínculo da educação com o desenvolvimento econômico do país.
— Qual o dialogo que estamos pensando para a próxima década para uma geração que vai conviver cada vez mais com a inteligência artificial? Como podemos falar em valorização do professor quando temos docentes trabalhando em cinco ou seis escolas? Como vamos assegurar a qualidade? Estamos fazendo um plano para quem e com quais objetivos? Precisamos ser mais realistas e honestos — expôs Siqueira.
Recuperação
Para a diretora da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa Lima, é preciso recuperar “aquilo que não foi feito”. Ela enfatizou que não há como falar em educação, sem recuper “o golpe que esse país sofreu quando a educação foi atacada com a Emenda Constitucional 95“.
— Pouquíssimas coisas conseguimos avançar nesses últimos dez anos. Hoje estamos aqui em outro cenário. (…) O Sistema Nacional de Educação precisa ser um ponto central nesses encaminhamentos — disse Rosilene.
Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella enfatizou que “é fundamental que não tenhamos o PNE apenas como uma carta programática, mas que seja um eixo central do que precisamos para a educação brasileira”.
Manuella destacou que diante do fato de a Meta 20 do PNE, que prevê a ampliação do investimento em educação pública para o mínimo de 7% do produto interno bruto (PIB) no quinto ano da lei e para o mínimo de 10% no final do decênio (2024), não ter sido atingido, é preciso salientar que “a política de austeridade não combina com investimentos em educação”, ao citar a Emenda Constitucional 95, que instituiu o novo regime fiscal.
Presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Jade Beatriz também tratou do alinhamento do PNE com o plano de desenvolvimento do país. A estudante lembrou o debate do novo ensino médio, em análise no Senado.
— A escola pública precisa ser a máquina, instrumento de combater as desigualdades sociais, mas enquanto o ensino público for deixado para a última hora, não vamos conseguir alcançar esses objetivos.
Desigualdades
Coordenadora de Equidade Racial e Educação da (Uneafro Brasil), Adriana de Cássia Moreira lembrou que 77% dos estudantes matriculados no ensino fundamental são negros.
— Em um país extremamente desigual, estabelecer um parâmetro único de política nacional de alfabetização dará certo? 8% dos meninos negros entram com oito anos na escola, sendo que o marco legal determina que entrariam com quatro anos. As meninas negras são quatro vezes menos proficientes em matemática, quando comparadas com as brancas. Não há possibilidade de construir um PNE que não leve em consideração as variáveis de raça, gênero e território nas suas políticas.
A coordenadora nacional de Educação e Ação Pedagógica da Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), Erenice Natália Soares de Carvalho, disse que quando se trata de deficiência, a educação de zero a três anos é fundamental, porque a deficiência pode ser minimizada ou pode haver remissão se a criança receber uma atenção especial no inicio de suas vidas.
— Existe espaço para uma escola especializada no Brasil e precisamos que sejamos considerados como parte de um sistema educacional inclusivo — afirmou.
Qualidade
Diretora da Escola Brasileira de Professores (Ebrap), Guiomar Namo de Mello destacou que “não é possível que o Brasil não consiga alfabetizar todas as nossas crianças” e que é preciso trabalhar para que tenhamos “uma próxima geração com mais preparo”.
Também a especialista em políticas de educação Ilona Becskeházy disse que “não é possível alocar recursos, se os alunos não aprendem”.
— Não conseguimos ver os gastos se transformar em aprendizagem, com algumas exceções. (…) O debate do aprendizado especificado é raríssimo. Temos de ter clareza, porque as metas do PNE anterior, quase todas são por gastos — expôs Ilona.
Reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e dirigente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Alfredo Macedo Gomes cobrou a recomposição salarial, assim como do orçamento para as universidades.
— Também gostaria de destacar a necessidade de definição de metas claras, comprometidas com as necessidades de mudanças nas nossas escolas. (…) Educação pública tem de se olhar da forma mais ampla possível — defendeu o reitor.
Também participaram da sessão o coordenador-geral do Movimento Profissão Docente, Haroldo Corrêa Rocha; o presidente do Instituto Alfa e Beto, João Batista Oliveira; o presidente da Associação Brasileira dos Sistemas e Plataformas de Ensino (Abraspe), Mario Ghio; o economista especialista em educação Claudio de Moura Castro; o presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Nelson Cardoso Amaral; a diretora de Operações do Instituto Sonho Grande, Lia Rolnik; o representante do Fórum Brasileiro da Educação Particular Bruno Coimbra; a presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes; o especialista em legislação educacional Henrique Lago da Silveira, e os especialistas em políticas públicas educacionais Daniel Prado Machado e Fábio de Barros Correia Gomes Filho.