O tratamento humanizado da mielomeningocele no Brasil foi defendido em audiência pública remota da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) nesta sexta-feira (19). Trata-se de uma malformação congênita da coluna vertebral e na medula espinhal do feto que ocorre no início da gravidez, afetando o desenvolvimento dos ossos da coluna do bebê, e pode implicar outros problemas de saúde. O debate foi proposto pelo senador Flávio Arns (PSB-PR), que considera necessário avançar com as práticas de prevenção e cuidados para evitar a mortalidade infantil no Brasil.
A intenção dos senadores com o debate, segundo Arns, é atuar para que as famílias fiquem tranquilas no acompanhamento e tratamento dos pacientes com mielomeningocele, sem traumas e com acesso rápido às eventuais indicações de cirurgias. O parlamentar ressaltou que a baixa oferta de diagnóstico precoce na gestação, a indisponibilidade de cirurgia intrauterina junto ao Sistema Único de Saúde (SUS) e inexistência de acompanhamento em saúde ao longo da vida ampliam a angústia e a preocupação das famílias de crianças que nascem com o problema.
— Vamos atuar para que resultados concretos aconteçam. Agradeço aos veículos de Comunicação do Senado, Agência Senado, Rádio Senado, TV Senado, por darem toda a publicidade a esta audiência pública. Quero deixar claro a todos os cidadãos brasileiros que vocês têm total solidariedade do Senado Federal com a área. Queremos que seja um setor sistematizado, sem filas, com acesso ao diagnóstico precoce, e que tudo possa estar adequado, sem a necessidade de reiteradas tentativas de acesso às soluções.
Arns disse que pedirá o posicionamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) para então enviar encaminhamentos ao Ministério da Saúde. Segundo o senador, um documento será elaborado pela CAS com a participação do movimento social e dos debatedores ouvidos pela comissão nesta sexta-feira. Segundo o parlamentar, o intuito é propor a inserção do diagnóstico da mielomeningocele e a cobertura da cirurgia de correção intrauterina entre os procedimentos do SUS. Arns disse ainda que a CAS deverá propor novos debates sobre o tema.
— Essa audiência focou a parte da cirurgia intrauterina e suas consequências. Questões como a fisioterapia e medicamentos, por exemplo, a gente vai abordar em outra audiência pública. Contem com o Senado Federal, contem com o Congresso Nacional. Vamos caminhar juntos para fazermos as mudanças necessárias — comunicou.
Números
No Brasil, a cada 10 mil nascimentos, a mielomeningocele atinge 2,42 bebês. O presidente da Associação Brasileira de Espinha Bífida (Abrasse), Paulo César Cechin, informou que nascem em média 750 bebês ao ano com a malformação no país, onde a população estimada de indivíduos com o problema chega a 39.240.
De acordo com pesquisa realizada pela Abrasse junto a seus associados, entre os anos de 2010 e 2018, em média, somente 12% das crianças diagnosticadas com mielomeningocele tiveram acesso à cirurgia intrauterina. A partir de 2019, quando a instituição intensificou as ações para viabilização da disponibilidade da cirurgia intrauterina, em média, 72% dos assistidos passaram a ter acesso ao procedimento. Em 2023 e 2024, esse número subiu para 85%, afirmou o debatedor.
Atendimento especializado
Fernanda Maia, mãe de uma criança de três anos de idade diagnosticada com mielomeningocele, falou do susto das famílias ao se constatar a doença. Ela ressaltou que teve um atendimento especializado, mas observou que a maioria dos casos não conta com tratamento humanizado. Além disso, a debatedora alertou para o fato de que, tão importante quanto a cirurgia intra-útero, é o acompanhamento pós natal.
Fernanda pediu apoio que o governo de cada estado brasileiro invista no funcionamento de pelo menos um hospital de referência no assunto. Na opinião dela, a medida seria de grande valia, ao permitir que famílias não precisem percorrer distâncias tão grandes em busca de tratamento.
— Seria a realização de um sonho o acesso a um tratamento atualizado, humanizado, médicos que se atualizam e não expõem as crianças a situações desnecessárias: que todas as crianças pudessem ter um tratamento de excelência. Recebo muitos relatos de mães que receberam esse diagnóstico da pior forma possível. Nosso apelo, então, é para que as políticas públicas atendam às nossas gestantes e às nossas crianças em tempo hábil e nunca deixando para a última hora — declarou.
Procedimentos
Para a cirurgiã pediátrica do Hospital das Clínicas de Curitiba Camila Fachin tão importante quanto oferecer a cirurgia é o governo criar uma rede capacitada para o acompanhamento de todos os casos, com qualidade e segurança. A especialista explicou que o diagnóstico da mielomeningocele é feito na ultrassom pré-natal. E informou que a cirurgia fetal diminui o tempo de exposição do tecido neural do bebê com o líquido aminiótico podendo, inclusive, reverter problemas como a hidrocefalia.
Camila observou que cirurgia fetal não é indicada em todos os casos, sendo necessárias avaliações sobre sua eficácia, mas ressaltou que o procedimento traz mais benefícios do que riscos.
— Por isso é tão importante o diagnóstico precoce. O parto prematuro é o principal efeito adverso da cirurgia intrauterina, mas a cirurgia fetal traz mais benefícios do que malefícios — informou a médica.
SUS
O consultor-técnico do Ministério da Saúde Marcos Jonathan Lino dos Santos pontuou que, para o governo incorporar qualquer procedimento na lista de tratamento, o SUS faz antes uma avaliação sobre a viabilidade, a eficácia e os custos, inclusive quanto à capacitação dos profissionais. Ele ressaltou que laudo da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) apontou riscos quanto à cirurgia intrauterina de mielomeningocele e que pesquisas não mostraram resultados benéficos da incorporação desse procedimento pelo sistema público de saúde. O debatedor afirmou, no entanto, que estudos mais recentes poderão embasar novo parecer a respeito do assunto.
— A reunião de evidências dos benefícios da cirurgia intra-útero é necessária para nova reunião e reavaliação pelo corpo técnico do Conitec. Temos a possibilidade de fazer novamente esse caminho e realizar nova avaliação e a partir do momento em que a Conitec se mostrar favorável, poderemos, sim, ter a inclusão desse tipo de cirurgia na lista de procedimentos do SUS — complementou.