Foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (6) o Marco Legal dos Jogos Eletrônicos (Lei 14.852). O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, sancionou com vetos a nova lei, que teve origem no PL 2.796/2021, do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP). No Senado, a matéria foi relatada pela senadora Leila Barros (PDT-DF).
A lei libera a fabricação, a importação, a comercialização, o desenvolvimento e o uso comercial de jogos eletrônicos em todo o país, observados a soberania nacional e a ordem econômica e financeira previstas na Constituição e outras leis. Entre os objetivos da lei está o estímulo ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador no setor.
O poder público fará a classificação etária indicativa, dispensada autorização estatal prévia para o desenvolvimento e a exploração dos jogos eletrônicos. Para fazer a classificação etária, o poder público terá que levar em conta “os riscos relacionados ao uso de mecanismos de microtransações”. As ferramentas de compras dentro dos jogos deverão garantir a restrição para transações comerciais feitas por crianças, que precisam contar com o consentimento dos responsáveis.
A lei considera como jogo eletrônico os joguinhos e games de computador, consoles, telefones e de página de internet, mas também os próprios consoles e acessórios como joysticks e outros softwares “para uso como aplicativo de celular e/ou página de internet, jogos de console de videogames e jogos em realidade virtual, realidade aumentada, realidade mista e realidade estendida, consumidos por download ou por streaming”.
A nova lei reconhece como profissionais da área de jogos eletrônicos, sem prejuízo de outras profissões, o artista visual para jogos, o artista de áudio para jogos, o designer de narrativa de jogos, o designer de jogos, o programador de jogos, o testador de jogos e o produtor de jogos, este último responsável por liderar e supervisionar o desenvolvimento de jogos eletrônicos, desde a concepção até o lançamento. Não será exigida qualificação especial ou licença do poder público para o exercício dessas profissões.
A lei não abrange e não poderá ser usada para beneficiar máquinas caça-níqueis, jogos de azar, promoções comerciais, modalidades lotéricas, ou qualquer tipo de jogo que ofereça algum tipo de aposta, com prêmios em ativos reais ou virtuais, ou que envolva resultado aleatório ou de prognóstico.
Também ficam de fora os chamados jogos de fantasia, em que os participantes escalam equipes imaginárias ou virtuais de jogadores reais de um esporte profissional. Os jogos de fantasia são aqueles disputados em ambiente virtual, a partir do desempenho de atletas, que podem receber premiação em função de seu desempenho. Essa modalidade de jogo on-line já é regulada pela Lei 14.790, de 2023, que trata das apostas de quotas fixas, conhecidas como bets.
O Marco Legal de Jogos Eletrônicos tem como princípios e diretrizes |
Reconhecimento do empreendedorismo inovador em jogos eletrônicos como vetor de desenvolvimento econômico, social, ambiental e cultural; |
Fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados; |
Promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação; |
Respeito aos direitos fundamentais e aos valores democráticos; |
Defesa do consumidor e educação e informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres; |
Proteção integral da criança e do adolescente, ou seja, garantia de que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão; |
Preservação da privacidade, proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709, de 2018). |
Incentivos
A lei prevê tratamento especial para o fomento de jogos por empresários individuais, sociedades empresariais, cooperativas, sociedades simples e microempreendedores individuais (MEI).
A receita bruta dos desenvolvedores no ano-calendário anterior não poderá exceder R$ 16 milhões. Para empresas com menos de um ano de atividade, o texto estabelece o valor proporcional de R$ 1,3 milhão para cada mês de atividade.
Outro requisito para acessar o tratamento especial é o uso de modelos de negócio inovadores para geração de produto ou serviço. Eles estão previstos na Lei 10.973, de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.
O tratamento especial também vale para quem se enquadrar no regime especial Inova Simples, previsto na Lei Complementar 123, de 2006. O programa é um processo simplificado de formalização do negócio que concede tratamento diferenciado às iniciativas que se autodeclaram “empresas de inovação”. O objetivo é estimular a criação, a formalização, o desenvolvimento e a consolidação de agentes indutores de avanços tecnológicos, emprego e renda.
O desenvolvimento de jogos eletrônicos poderá ser beneficiado com fomento em pesquisa, em inovação, em desenvolvimento de recursos humanos e em cultura. As empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos poderão usar os benefícios da Lei do Audiovisual (Lei 8.685, de 1993), da Lei Rouanet (Lei 8.313, de 1991) para estimular a produção ou a coprodução de jogos eletrônicos brasileiros independentes, bem como para formação de profissionais do setor.
O marco legal trata, ainda, das ferramentas e instrumentos necessários para o desenvolvimento de jogos eletrônicos, como computadores, programas, equipamentos especializados, SDK, DevKits e outros. O texto sancionado determina também que o poder público regulamentará o desembaraço aduaneiro e as taxas de importação incidentes para fomentar a inovação no setor de empresas desenvolvedoras de jogos eletrônicos.
Usos
O texto sancionado libera o uso de jogos eletrônicos para entretenimento ou qualquer outra atividade lícita, desde que observada a classificação etária indicativa. Os jogos também poderão ser usados para contemplação artística; para fins didáticos ou recreação em ambiente escolar; para fins terapêuticos; para fins de treinamento e capacitação, por meio de simulação ou emulação de ação em ambiente institucional; para fins de comunicação e propaganda.
No ambiente escolar, o uso terá que estar de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e com as normas e regimentos escolares dos sistemas de ensino. Para fins de comunicação e propaganda, o uso de jogos eletrônicos terá que observar as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 1990).
O poder público poderá promover políticas públicas para a utilização de jogos eletrônicos nas escolas públicas, no âmbito da Política Nacional de Educação Digital (Lei nº 14.533, de 2023). O poder público também poderá criar repositório de jogos eletrônicos financiados com recursos públicos, com uso livre por instituições públicas de ensino, pesquisa e saúde.
A nova lei também determina que o Estado deverá apoiar a formação de recursos humanos para a indústria de jogos eletrônicos por meio de incentivo à criação de cursos de educação profissional e tecnológica e superiores; criação ou apoio a oficinas profissionalizantes; criação ou apoio a cursos de formação profissional técnica e tecnológica e de especialização; incentivo à pesquisa, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento de jogos eletrônicos direcionados à educação, inclusive mediante a criação de plataforma de jogos educativos e incentivos para a criação de espaços formativos de recursos humanos especializados para o setor.
Crianças e adolescentes
O Marco Legal dos Jogos Eletrônicos determina também que a concepção, o design, a gestão e o funcionamento dos jogos eletrônicos para o público infanto-juvenil “devem ter como parâmetro o superior interesse da criança e do adolescente, de acordo com a legislação vigente”.
Nesses casos, deverão ser adotadas medidas adequadas e proporcionais para mitigar os riscos aos direitos de crianças e adolescentes que possam advir da concepção ou do funcionamento desses jogos, bem como para fomentar a efetivação de seus direitos relacionados ao ambiente digital. Os desenvolvedores de jogos eletrônicos deverão criar canais de escuta e diálogo com crianças e adolescentes.
Os fornecedores de jogos eletrônicos devem garantir que os seus serviços, sistemas e comunidades oficiais não fomentem ou gerem ambiente propício para quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão contra crianças e adolescentes; ou discriminação de crianças e adolescentes com deficiência, devendo implementar medidas técnicas que garantam o desenho universal e a acessibilidade do serviço a todas as crianças e adolescentes, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 2015).
As ferramentas de compras dentro de jogos eletrônicos devem garantir, por padrão, a restrição da realização de compras e de transações comerciais por crianças, quando aplicável, de forma a garantir o consentimento dos responsáveis.
Nos jogos eletrônicos direcionados a crianças e adolescentes que possibilitem a interação entre usuários por meio de mensagens de texto, áudio, vídeo ou troca de conteúdos, de forma síncrona ou assíncrona, deve ser garantida a aplicação de salvaguardas a direitos de crianças e adolescentes, entre outros:
- sistema para recebimento e processamento de reclamações e denúncias de abusos e irregularidades cometidos por usuários;
- informações aos usuários denunciantes, em prazo razoável, sobre o resultado das denúncias realizadas;
- instrumentos para solicitar revisão de decisão e reversão de penalidades impostas;
- transparência social sobre as denúncias recebidas e sua análise, remoção de conteúdos, gerenciamento de comunidades, mitigação de riscos e salvaguardas a direitos de crianças e adolescentes, sanções aplicadas aos usuários infratores, incluídas as medidas utilizadas para impedir que os usuários criem contas adicionais em caso de banimento e ações para conscientização, educação e promoção de direitos fundamentais na comunidade e nos mecanismos internos;
- vedação, em seus termos de uso, de práticas, de trocas de conteúdos e de interações que violem direitos de crianças e adolescentes, respeitada a legislação brasileira;
- atualização e manutenção de ferramentas de supervisão e de moderação parental que respeitem o desenvolvimento progressivo das capacidades e a autonomia das crianças e dos adolescentes usuários;
- transparência, atualização e melhoria contínuas dos mecanismos de proteção contra risco de contato com outros usuários, garantindo, inclusive, a possibilidade de desativação de mecanismos de interação.
Veto
O único veto de Lula invalidou artigo que determinava abatimento de 70% no Imposto de Renda (IR) devido em remessas ao exterior relacionadas à exploração de jogos eletrônicos ou licenciamentos para desenvolvimento de projetos de jogos eletrônicos brasileiros independentes (VET 10/2024).
De acordo com a justificativa do governo, o dispositivo vetado criaria renúncia de receita sem a apresentação da estimativa de impacto orçamentário e financeiro, sem instituir medidas de compensação, sem prever prazo máximo de vigência e sem apresentar demonstrativo do impacto orçamentário e financeiro para os exercícios de 2024, 2025 e 2026.